Saiu a agora no cinema a adaptação
homônima, muito esperada, de um livro:
Ensaio sobre a Cegueira. Eu apenas li o livro, mas sei que a história trata de uma cegueira branca que começa acometer diversas pessoas em Lisboa. Para conter a crise, o governo coloca todos os cegos em um antigo asilo, e lá, privados da visão, também perdem a civilidade. A única pessoa que consegue enxergar é a mulher do médico, mas não consegue fazer nada, apesar de sua vantagem.
Acho que a visão é um dos sentidos mais valorizados pelo ser humano. É dela que nascem conceitos que regem a sociedade, como a estética, a beleza, a harmonia das formas. É com ela que cores e luzes alegram nossa vida. Um mundo em que ninguém enxerga parece além de nossa imaginação, mas para um cego ele existe. Ainda assim, acho que devemos imaginar dois tipos de mundos de cegos: o do Ensaio sobre a Cegueira, em quem as pessoas sabem como era enxergar antes, e um outro tipo de mundo, aquele que nunca enxergou, e de certa forma não sabe o que está perdendo (ou não o que estaria ganhando...).
O primeiro mundo viveria num estado de anomia (crise das instituições) que vemos tão claramente em
Ensaio sobre a Cegueira. Tudo bem, eu sei que existem pessoas que apesar de não enxergarem, conseguem se relacionar bem com o mundo, mas elas acabam se adaptando a serem diferentes do resto. Os que já eram cegos aprenderiam melhor a viver nesse mundo, mas para quem sempre enxergou seria sofrido demais. Tudo que nossa sociedade concebe é baseado na visão: a
arquitetura, as artes (com
exceção da música, mas que, com a partitura, acaba se baseando no ver), a escrita e grande parte da comunicação, a matemática. A própria
Internet, vista pela tela, é inteiramente focada no ato de ver: a escolha dos botões, as páginas funcionais... Se todos parassem de ver, tudo isso perderia o sentido. Além de haver aquela nostalgia, saudade do tempo em que se podia ver.
Agora, uma sociedade que nunca enxergou, nem tem a memória de antepassados que viam, teria uma relação de mundo muito diferente, que só podemos tentar imaginar, sem saber realmente prever como seria.
Primeiro que ele poderia ser, por um longo período, baseado na passagem oral das tradições. Provavelmente eles encontrariam um modo de registrar as coisas, mas dificilmente podemos imaginar como seria. As noções de beleza seriam outras, como a voz, a textura de cada um. Talvez seria uma sociedade mais baseada no
contato físico, diferente da nossa que o evita algumas vezes. Ou talvez, eles teriam um outro sentido, que os fizessem sentir quem está próximo, sem ter que
tateá-lo. As formas de moradia, as cores, tudo seria violento aos nossos olhos, afinal o que está em jogo não é a nossa estética, mas a deles. Eles imaginariam a vida com outros conceitos e prioridades, sonhariam de forma diferente. Ou talvez, fizessem tudo igual a gente, quem sabe?
Acho que o mais divertido é mesmo imaginar, mesmo que a gente nunca venha a saber...
Beijooooooos